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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O QUE EU GOSTO DE VOCÊ NÃO TEM TAMANHO

Por - Tália Bed

Certas tomadas de decisão são solitárias, apesar de envolverem mais de um no contexto. Isso acontece porque não é possível mensurar no outro a intensidade do efeito que nossas atitudes poderão causar tendo em vista a individualidade. Aproximadamente, talvez, mas nunca corresponde exatamente à dimensão que alcança na pessoa afetada por elas. Trocando em miúdos, o título acima indica a avaliação unilateral de um sentimento depositado em confiança na criatura dos nossos sonhos. Foi um fato real. Era a mensagem de um poster de um elefantinho comprado em Brasília/DF, se não me falha a memória e entregue pessoalmente na empresa do destinatário. Poderia haver manifestação mais delicada que essa - trazer de viagem uma lembrança tão meiga? O mimo causou uma reação descabida de uma ex (o casal se separara em meio a disputas até pela mesa de jantar), na verdade, a ex cunhada - talvez bem mandada - foi deixar o poster na casa da atual namorada, quebrado em vários pedaços, uma verdadeira demonstração de deselegância, inapropriada e grosseira. Tratavam-se de pessoas - todas as quatro - instruídas, profissionais liberais, todos residindo em uma capital, conhecidos, alguns deles dividindo o mesmo ambiente profissional entre si ou com parentes próximos. Antes deste episódio tratavam-se cordialmente como exigem as regras sociais. Encontravam-se frequentemente no trabalho ou na universidade, algumas vezes em casa de familiares, havia um convívio profissional e pessoal por razões diversas. Não uma intimidade, mas uma proximidade respeitosa. Quanto ao novo casal a amizade começara muito antes de qualquer aproximação maior, inclusive houve uma ocasião em que o futuro namorado havia adoecido gravemente e retornara ao trabalho depois da convalescença e foi abraçado, tamanha a felicidade que foi sentida pela amiga ao vê-lo são e salvo. A idade favorecia a deferência em relação ao ex casal, no entanto o acontecimento do poster revelou a imaturidade do gesto arquitetado sabe-se lá por quem. Imaginem a decepção sentida por quem presenteara a pessoa amada ao receber em casa, jogado no terraço, os cacos do poster emoldurado com tanto carinho. Resumo da ópera: ao se encontrarem um outro dia no local de trabalho dele, o mesmo disse as palavras finais - "eu não gosto de você!" O que você teria feito? Pois bem, a rejeitada bateu os calcanhares e deu meia volta, volver! (isso daria um filme de Pedro Almodóvar, com Penélope Cruz no papel principal). Não demorou nada, a desenganada se casou com um moçoilo de 30 anos, ela com 31, e demorou menos ainda para o cidadão ligar para a residência dela e perguntar por que ela não o esperara. Mais, disse-lhe ainda que havia sido um choque para todo mundo (quem?!) e que ninguém pensara que ela se casaria(!). Algum de vocês respondeu alguma coisa? Ela também não. Ele ficou com a mesa que pedira de volta durante um jantar na antiga casa da família deixando todos a jantar sem mesa e continuou morando sozinho em outra casa no mesmo bairro de antes. Contam que ele passou o sábado ouvindo músicas - italiana (que adorava), pagode - e no dia seguinte foi encontrado pelo filho que estranhara o fato dele ainda não ter se levantado para trabalhar, já que costumava sair cedo de casa. Morrera só. A ex esposa foi ao velório e levantou-se de chofre ao ver a outrora namorada chegar, o que a inibiu de dar os pêsames até para a irmão dele. Ela fora acompanhada pela irmã, colega da ex esposa, inclusive receara o encontro, porém a irmã a tranquilizou dizendo que não haveria nada de mal em comparecerem juntas ao local. Em síntese, a antiga namorada foi sentar-se em um banco distante onde permaneceu o tempo inteiro em que a irmã ficou lá, onde recebeu a solidariedade de alguém que foi sentar-se ao lado dela. Moral da história: "Não se deve deixar passar as oportunidades de ser feliz por permanecer agarrado ao passado que não volta, por desperdiçar energia em disputas egoístas. Deve-se baixar as últimas resistências à felicidade que te sorri generosamente enquanto abrigas o ódio em teu coração." A vida não para, Penélope Cruz! Almodóvar bem o sabe.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

AS MINEIRAS

Carlos Drummond de Andrade

"O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar, já que tudo que é bom, tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo e charmoso ficou de fora? Por que Deus, que sotaque!Mineira devia nascer com uma tarja preta avisando: Ouvi-la faz mal a saúde.Confesso: esse sotaque me desarma. Certa vez, quase propus casamento a uma mineira que me ligou por engano. Elas tem um ódio mortal das palavras completas, preferem, sabe-se lá por que abandona-las no meio do caminho. Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem apenas de uais, trens e sôs. Mineira não fala que o sujeito é competente, ele é bom de serviço. Nunca usam o famosíssimo tudo bem. Sempre perguntam "Ce tá boa?" Pra mim, isso é pleonasmo,  perguntar se uma mineira ta boa é desnecessário. O verbo mexer, para as mineiras tem amplos significados, quer dizer por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem: "Com o que que oce mexe?", querem saber o seu oficio.  ineiras não dizem "apaixonado por". Dizem, sabe-se lá por que, "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa. Também não gostam do verbo conseguir, aqui você nunca consegue nada, você não da conta. Que mineiras nunca acabam as palavras todo mundo sabe.E um tal de bunitim, fechadim, pititim. Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira, vc não ouvirá nunca. Preciso avisar a língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Aqui certas regras não entram. O supermercado nunca tá lotado,  sempre tá cheio de gente, não faz muitas compras, compra um tanto de coisa. Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.Mineiro não arruma briga, caça confusão. Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!! Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "ce acha que eu faço isso"? com algumas toneladas de ironia... E o "nem", já ouviu?? Completo ele fica: "Ahhh nemmmm!" Significa, amigo, que a mineira não vai fazer o que vc propôs de jeito nenhum. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Mineira não pergunta, vc não vai? A pergunta mineiramente falando e: "Ce não anima de ir?". O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Se vc em conversa falar "Fui lá comprar umas coisas.", a mineira retrucara: "Ques coisa?" O plural dá um pulo, sai das coisas e vai para o que. A fórmula mineira é sintética. E diz tudo. Até o "tchau" em Minas é personalizado.
Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês". É útil deixar claro o destinatário do tchau. A conjugação dos verbos em Minas têm lá seus mistérios.... LINDOS mistérios."