Texto e foto de Valéria del Cueto
A vida é assim. Conduz a gente. Claro que há espaço
para uma substancial colaboração no conjunto da obra. Mas, na hora do vamos
ver, pode ter certeza: ela dá o seu pitaco e vira o jogo.
Quer um exemplo?
Cheguei numa praia repleta de atrações fotografáveis.
De longe, procurei com o olhar o rumo do meu prumo, a Ponta do Leme. E lá, na
Pedra, vejo que começaram a dar o ar da graça as florezinhas amarelas que
recobrem as copas das árvores do perfil do morro por um curto espaço de tempo,
um quase agora. É a florada dos Ipês.
De longe saco a máquina fotográfica. Cheia de gás e
inspiração constato que não só as alterações da paisagem - mas o entorno como
um todo - pedem um registro cuidadoso. Sinto-me leve. É a hora!
Começo num plano médio. Vou para o detalhe, pegando
a bandeira que tremula no Forte Duque de Caxias e as flores, abro para um geralzão
e...
A vida intervém. Poderia dizer, inclusive, que de
forma muito antidemocrática. Lá se vão as baterias da câmera. Mais arriadas que
pneu em caixa prego.
O que fazer com as bandeiras coloridas dos
quiosques, as pipas, o tabuleiro de cuscuz, a leitora distraída? Sem falar no
sol, na praia e nas ondas arrojadas que enchem o mar de surfistas.
A vida impõe. Quem pode, responde. Capto o sentido
da restrição. Puramente fotográfica, ela não se estende à literatura.
Por isso estou aqui, olhando de dentro dos meus
olhos para esse marzão adentro e desafiando minha capacidade de narradora para
descrever, mais uma vez, o meu lugar. Meu e de muita gente que venho
descobrindo através desse Sem Fim... de histórias que me seduziu. E de quem
hoje sou uma escrava feliz que surfa pelas palavras tentando capturar o sentido
das ondas por onde deslizam e evoluem homens e pranchas a minha praia.
Pensa que é fácil? Olha e escrever ao mesmo tempo é
PHoda. Uma briga incessante. Dois polos te atraem ao mesmo tempo. Aqui, as
frases e parágrafos exigem a sua atenção e rapidez, antes que passem batidas,
engolidas pela velocidade dos pensamentos que, em décimos de segundos se
projetam impacientes num passeio mental vertiginoso.
Lá, aí, lá. Lá é cá, no mar. Também um ciclo de
imagens e manobras únicas que, a mim, seduzem desde a formação distante das
ondulações que se revelarão boas ou más para a prática do surf, bodyboard e/ou do
jacaré, o de peito. Até o momento em que a última espuma da antes poderosa
força da natureza se espraia, lambendo preguiçosamente as areias do Leme.
Para mim, onda é um resumo da vida e mar uma
síntese dos ciclos existenciais. Como um I Ching natural, aparentemente
simples, porém tão complexo quanto os meandros mais profundos do oráculo
chinês.
Mobilidade, volatilidade e instantaneidade. Assim
são as ondas, movidas de acordo com o humor das correntes, das luas, dos
ventos...
É atento a todos esses elementos que se joga na
água o atleta. Na busca da sintonia com o mar. O desafio é a integração, por
que dela vai depender a capacidade de ousar e criar suas manobras.
O sol, que brilhou até agorinha está se escondendo
encoberto por nuvens desanimadoras. Mas como? Ainda não falei das roupas de neoprene
penduradas na barraca para secarem. Nem mencionei minha paixão de sempre, as
peladas na beira da praia...
É a vida, mais uma bateria que se esgota. Assim
como o espaço dessa crônica, a única ditadura imposta pelos meus amados
editores para os meus voos literários. Até a próxima!
*Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora
de carnaval. Esta crônica faz parte da série “Ponta do Leme” do SEM FIM.
delcueto.cia@gmail.com
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