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segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Música no céu
Texto e foto de Valéria del Cueto
Ai, meu santo do pinga-pinga. Já estava até olhando com bons olhos meu ponto de escrevinhação cuiabano e assimilando o contraste do azul fibra da piscina pré-moldada com os tons ocres da Pedra de São Tome que cobre seu entorno e o branco das espreguiçadeiras tipo “goiano”.
Bastava que me colocasse de costas para a parede lisa amarela cheia de janelas gradeadas, basculantes, aparelhos de ar condicionado e tubos e tubos de fios. Desse modo, também, excluía do meu campo de visão as duas elegantíssimas – modelo GG – antenas parabólicas de canal a cabo.
Sendo assim, aproveitava para eliminar, de quebra, a parte construída com a churrasqueira de tijolinhos e a enorme caixa d’água, visível nas melhores imagens do ramo. Do alto da baixadona, só dão ela e o morro de Santo Antônio se destacando na paisagem.
Enfim, procuro restringir meu campo visual à diagonal oposta.
O muro branco chapiscado tem apenas um portão de ferro no meio e, deduzo que mesmo ele não fazia parte do projeto original pelas marcas de cimento não igualadas em todo seu contorno.
Uma parte do piso, como já disse, é de Pedra de São Tomé. Mas, a lateral entre as plantas dos canteiros que margeiam o muro, é de brita mesmo.Separadas da pedra por uma muretinha baixa pintada de branco.
Na brita há mesas e bancos de concreto enfileirados paralelamente ao muro. Em algumas de suas partes, a hera tenta subir, se agarrando no cimento irregular do chapisco. Na raça, por que com a falta de poda adequada ela não consegue grudar e, portanto, se desenvolver.
Seu melhor desempenho é na quina da diagonal que mencionei anteriormente. É ali, nas sombras das folhagens generosas de um coqueiro e dois tufos, com algumas palmeiras, estas já bem maiores que o muro, aquele no mínimo três vezes a sua altura que ela, a hera, desembestou. Provavelmente graças a sombra amena que alivia o calor e retém o que pode da baixa umidade.
Por cima do muro branco uma moldura desigual composta de coqueiros, mangueiras, as tradicionais que habitam os quintais cuiabanos, e árvores das calçadas, que não sei o nome, talvez algum tipo de fícus, quebram o contraste que poderia ser monótono com o céu azul, borrado por finas nuvens.
Nos fios elétricos que correm junto ao muro, parecendo linhas de uma pauta musical, os passarinhos são as notas desenhadas das canções.
Quem poderia ser doce, se não fosse o pinga-pinga... Para mim, aquilo jamais seria o som um pingo d’água. Parecia uma batida num ferro.
O diagnóstico veio de um amigo muito mais experiente no setor de edificações. Tá seco, disperso e metálico? Vazando da caixa. “É água”, disse ele. Acatei e me ferrei.
Por que agora, sei que há um barulho que detesto. Justo na parte que me cabe para escrever as crônicas. A parte boa, ela sempre há, basta procurar (ás vezes precisa procurar muito mesmo!) é que assim como começa...
O barulho para e dá lugar ao silêncio da brisa e a conversa animada dos passarinhos que visitam os quintais cuiabanos da vizinhança e formam a música imaginária ao pousarem na pauta musical dos fios elétricos.
Tudo isso para dizer que nada é tão ruim que não possa ser modificado ou imaginado de uma maneira muito melhor. Assim, fica mais fácil ver e conviver com este mundo que nem sempre foi o que pedimos à Deus...
* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Parador Cuyabano do SEM FIM http://delcueto.multiply.com
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