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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O sal da terra


Texto e foto de Valéria del Cueto

Sabia que estava fora de seu ambiente. Sentia que faltavam vários elementos essenciais para seu bem estar.

Espaço, cores e sabores faziam parte da composição ideal de sua existência. Tornavam seus dias mais suportáveis, suas idéias mais claras, seus objetivos mais tangíveis.

Precisava apenas sobreviver até que pudesse readquirir seu equilíbrio. De preferência sem que chegasse a se debater ou se desesperar pelas ausências tão sentidas.

O truque – sim, ele existia - era não gastar suas reservas de energias em vão. Físicas, mentais e espirituais. Não era fácil, mas tão pouco impossível, conforme começou a reparar com o lento e inexorável passar do tempo.

Precisava manter as forças que delicadamente igualavam seu querer capturando no entorno inevitável, pequenos - mas muito significativos - elementos que alimentassem seu mais importante recurso natural e intransferível: a esperança.

Se o espaço era reduzido - diminuto até - escapava pelo infinito virtual e dele fazia seu mundo interior. Esquecia as quatro paredes que a aprisionavam, navegando pelos múltiplos caminhos e variados atalhos da “nuvem” internética e, através dela, expandia suas atividades e o alcance de sua voz.
Quando percebia que seu espírito estava fragilizado, apelava aos deuses do céu e da terra esturricada, num diálogo franco e sem vaidades, para que seus pedidos de misericórdia e uma dose infindável de paciência fossem atendidos.
Nada era impossível quando usava sua fé, capaz de remover as quase inexpugnáveis montanhas de tristeza e frustração que a situação gerava.
Restava, então, seu corpo. Provavelmente a parte que mais sinalizava indicando a ausência de seu lugar: mais pesado, menos ágil e muito pálido, por falta de amplitude e motivação imediata.
Passou a dançar sozinha, frente a frente com sua própria imagem, seu par disponível para o momento, refletido no espelho. Também fazia abdominais e exercícios básicos, mesmo sabendo-os insuficientes para manter sua agora inútil forma ideal. Tinha noção exata do que fazia os prisioneiros se dedicarem a malhação compulsiva em suas celas.

Mesmo assim, faltava algo. Um gosto, uma sensação tátil que demorou a definir.

Faltava o sal que alimentava a maciez de sua pele, apesar dos entendidos dizerem que ele apenas ressecava a fina cútis dos seres normais.

Havia anormalidade nessa sua necessidade física? Pode ser que sim. Mas ele trazia de volta um cheiro e uma sensação de volta pra casa, um desejo poderoso, porém momentaneamente inalcançavel.

Deu asas à imaginação, buscando nas reminiscências e esquinas de suas lembranças o que fazia tanta falta.

Não era a mesma coisa. Precisava sentir a aspereza das partículas de cristais ao deslizar a mão por sua pele.

Até que decidiu gerar seu próprio sal, produzido pelo suor do seu corpo, exposto ao sol inclemente (para outros) que irradiava, queimando a terra. Para extraí-lo, passou a se expor abertamente a luz solar.

E a recompensa pelo esforço chegou dando de lambuja um bronzeado somente obtido da junção do sal com o sol.

Estava quase completa! Sabia que seria ele, o sal da terra que a faria, muito devagar, chegar ao seu mar...


* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Parador Cuyabano do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

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