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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Vai passar




Texto e foto de Valéria del Cueto

Não estou aqui pra reclamar, mas está cada vez mais difícil ignorar a falta que o verão me faz.
A prioridade da estação, para mim, é o sol.
Cada vez que ele ameaça aparecer preparo meus pertences que incluem canga, este caderninho que vos escreve, caneta, celular, o kit da máquina fotográfica pequena (se ele vai, pode até ficar guardado, se fica, as imagens pululam diante de mim, gerando pragas e maldições ao desleixo voluntário), quatro reais para um mate com limão e os óculos escuros.
Claro que demoro um pouco para cumprir as inevitáveis tarefas matinais da casinha, antes de poder tomar o rumo da Ponta do Leme. É aí que o tempo começa a mudar.
Sentada na areia, devorando um livro (o da vez é Excalibur, último da trilogia “As Crônicas de Arthur”, de Bernard Cornwell), escrevendo ou, simplesmente, exercendo meu turno de fiscal da natureza, observo a mudança climática.
Primeiro, uma bruma se filtra no azul meio pálido do céu, muito sutil. Ela vai se espalhando e ficando cada vez mais compacta.
O sol ainda brilha quando um ventinho vai trazendo do sul, como quem não quer nada, uma fina camada de nuvens.
A camuflagem para o que virá por cima. Esta camada superior que invade a praia avançando pelo topo das montanhas e encobre o Cristo Redentor movida pela força dos ventos que, agora, impulsionam a massa toda em direção ao meu pedaço de céu já cinzento.
Por enquanto, nada de muito ruim se levarmos em contava a ação sensacional do mormaço que, entre outros predicados, iguala o bronzeado queimando por inteiro, sem deixar as marcas inevitáveis caso fosse o sol de sempre.
Outra vantagem (para uns) é a ocupação territorial. Não dá para acreditar que na primeira quinzena de janeiro as praias estejam tão deliciosamente vazias.
A clientela aliou o tempo meia-boca a cor horrível da água do mar e deixou os barraqueiros a verem só navios. Isso, os poucos que se arriscam a montar suas traquitanas com esse tempinho chinfrim.
E lá se vai o planejamento econômico dos que dependem do sol, do mar e das hordas de turistas para garantir o pão da alta temporada.
Dias melhores virão garantem os otimistas que, como eu, não abandonam o Posto 1 enquanto a chuva não cai.
Inclua aí os jogadores daquela pelada clássica na linha d’água que, todo santo dia, transformam quatro carcaças de cocos em traves de gols e consideram as partidas de futebol na areia uma necessidade básica para a manutenção da saúde física e mental.
Mas tudo só dura até os primeiros e múltiplos pinguinhos que, de tão pequenos e insignificantes, nem de gotas poderiam ser chamados.
É a tal garoinha o maior sinal de que essa não é aquela chuva de verão de final de tarde que estamos acostumados neste período do ano.
Pancadonas diluvianas que lavam o céu, ao som dos resmungos que antecipam as trovoadas e raios que cortam o horizonte e agitam as cristas das ondas do mar. Elas garantem a o sol do amanhã.
Sorte que, assim como a esperança é a última que morre, sabemos que essa moagem climática vai passar e o bom e velho verão haverá de chegar.
Nem que seja lá por meados de março, ou no início da primavera...

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série e “Ponta do Leme”, do SEM FIM http://delcueto.multiply.com

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