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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Faz bem ver tantas comédias românticas? Ivan Martins


Dizem que os homens não gostam de comédias românticas. Bobagem. Se apenas as mulheres vissem esse tipo de filme ele não faria o sucesso que faz. Nem haveria tantos deles. Olhe na sua locadora, veja o que está em cartaz nos cinemas. O número de comédias românticas só aumenta. Minha impressão é que “todo mundo” gosta. Ou, pelo menos, que há demanda vasta e heterogênea para as emoções que esses filmes oferecem.

Sábado eu vi pela terceira ou quarta vez Um lugar chamado Notting Hill. Estava zapeando e dei de cara com a cena em que Anna Scott entra pela primeira vez na livraria de William Thacker, sem que ele saiba que ela é uma atriz mundialmente famosa. Bastaram dois minutos eu estava fisgado. De novo. Sob os moderados protestos da namorada, lá fui eu por duas horas de riso e fantasia repetida com Julia Roberts e – em muito menor escala – Hugh Grant.

Eu tenho uma teoria sobre esse filme. Se o expectador do sexo masculino não está apaixonado pela personagem de Anna Scott à altura em que ela, frágil e linda, se declara a Thacker em termos inesquecíveis, talvez devesse rever sua opção heterossexual.

“Esse negócio de fama, você sabe, não é real”, ela diz, torcendo as mãos e sorrindo, nervosa. “Eu sou apenas uma garota, parada na frente de um cara, pedindo a ele que me ame...”. Eis a cena. Sem legendas, infelizmente.

Notting Hill não é a única comédia romântica pela qual eu sou apaixonado. Adoro Harry e Sally, Feitos um para o outro. Tenho em casa Noivo nervoso, noiva neurótica. Já vi Mensagem para você mais de uma vez. Mesmo Noiva em fuga, que não é dos melhores, eu sou capaz de rever sem hesitar.

Eu gosto das emoções baratas e dos finais felizes. Gosto dos clichês e dos papéis sexuais bem definidos. Gosto dos diálogos bem amarrados, das cenas que enternecem, das piadas. Como eu, milhões de outras pessoas também gostam. Por quê?
Acho, em primeiro lugar, que há um déficit de romantismo em nossas vidas. O que esses filmes oferecem é um apanhado de emoções que nos falta no cotidiano. A descoberta de alguém, o encantamento, a aproximação, o romance, a fe-li-ci-da-de... É uma mistura que só aparece de vez em quando na vida adulta, quando aparece.

Uma evidência disso é que o sexo, nas comédias românticas, tem papel secundário. Os roteiros se ocupam de emoções sublimes, não daquilo que as pessoas fazem quando estão sem roupa. Apesar da embalagem debochada e de algumas cenas picantes (como em Ligeiramente grávida e Ele não está tão a fim de você), esses filmes são para menores de idade. Transpiram pureza e esperança, amor romântico. Diante desse tipo de história, nos tornamos adolescentes novamente. E adoramos.
Outro componente clássico das comédias românticas é a leveza. Claro, são comédias, alguém dirá. Mas não é bem isso. É a própria vida que, numa história como Letra e música, aparece destituída de drama, eviscerada. É tudo descomplicado. O único problema real é a falta de amor, que se resolve tão logo os personagens esgotam seu arsenal de desencontros.

As dificuldades práticas, que consomem boa parte da existência humana, não têm correspondência na trama desses filmes. Tudo se resolve com um passe de mágica, e para sempre. Ao contrário do que acontece na vida
Não se pode esquecer da beleza. Há sempre uma dose elevada de beleza nesses filmes, sobretudo feminina. O sorriso de Julia Roberts é único. A desengonçada Meg Ryan foi uma unanimidade ao seu tempo, assim como as graciosas Drew Barrymore e Katherine Heigl são agora. Mas essas mulheres não apenas bonitas. Elas trazem para a tela personagens cheias de vida, espírito, ironia. A perfeita companhia para uma tarde de chuva.

Imagino que os homens das comédias românticas também apelem ao coração das moças. Eles são gentis e engraçados, imensamente charmosos em suas fraquezas – iguaiszinhos aos caras que as mulheres encontram na rua diariamente...
É fácil imaginar que o sedativo das comédias românticas não tem contra-indicação, mas talvez não seja verdade.

É possível que esses filmes nos contaminem com uma expectativa falsa, exagerada e mesmo destrutiva em relação ao amor real. Comparado ao cenário de um filme, a vida de qualquer um de nós é uma chatice feia e insípida. A Londres de Notting Hill ou a Nova York de Harry & Sally existem apenas para as câmeras – assim como o sorriso de Julia Roberts.

O que acontece quando tomamos essa fantasia como parâmetro para a realidade? Aliás, somos capazes de fazer isso – confundir a ilusão dos filmes com os nossos desejos reais?

Eu não sei, mas acho que pode acontecer. Para nós, humanos, o mundo das aspirações é tão importante quanto o da realidade. Vivemos em um mundo de referências culturais e psicológicas. Se erguemos dentro de nós um cenário de sonho, é fatal que ele seja comparado ao que se apresenta no mundo real, com resultados imprevisíveis.

Talvez o escapismo desses filmes exacerbe as nossas dificuldades com a realidade. Talvez alguns de nós sejam contaminados pelo romantismo das comédias e – mesmo sem saber - passem a vida esperando o par perfeito do cinema.
Ou então, de um jeito igualmente daninho, essas fantasias talvez nos façam olhar para as nossas relações reais com uma ponta e amargura e desapontamento – cadê a beleza perfeita, o humor perfeito, a diversão permanente? Acho que todos já sentiram alguma vez o retro gosto amargo da fantasia cinematográfica.

Dito isso, é bom não exagerar na tese. As pessoas estão vendo filmes românticos no Ocidente há quase 100 anos e a taxa de natalidade (ainda) não se tornou negativa. No Brasil, milhões de pobres morenos assistem ao desfile diário de riqueza, arianismo e fantasia das novelas – todo mundo é rico, loiro e vive apaixonado – sem que isso tenha provocado ondas de suicídios coletivos.

As pessoas sabem separar realidade de fantasia, não são esquizofrênicas.
A minha experiência, porém, sugere que os mais felizes em qualquer meio são aqueles que vivem com os pés no chão. São aqueles que se misturam prazerosamente às pessoas e à realidade em torno deles, que fazem parte do cenário e atuam nele. Pessoas felizes vivem intensamente a realidade, não os filmes.

Quando se trata de casais, é o mesmo. Sempre tive impressão de que os melhores, os mais felizes, eram formados por pessoas práticas, capazes de olhar para a vida como ela é – e não como deveria ser num roteiro de filme ou num script de novela.

Quando se é capaz de amar pessoas reais no mundo real, é muito mais fácil ser parte de um casal duradouro. Românticos têm mais dificuldades. Para eles se inventou o mercado das emoções baratas. Para eles são feitas as comédias romântica. Elas são bacanas, enchem uma tarde, mas não deveriam realmente influenciar as nossas vidas.

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