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domingo, 10 de abril de 2011

Amém



Texto sem foto de Valéria del Cueto

“Buenas tardes”, cumprimenta ainda sob o impacto de retornar, após anos de ausência, ao estabelecimento comercial na Paysandu, uma das perpendiculares da agitadíssima Sarandi, artéria principal de Rivera, cidade uruguaia.
Tudo igual. Espaço para atender em L começando com o caixa, a direita da porta, o balcão refrigerado de doces e o para entrega e embalagem das encomendas. Ao fundo os pães, croissants e outras deliçuras salgadas (recheadas ou não) que fizeram da Ripan uma miragem real e perfumada dos bons tempos em que morou em Santana do Livramento fazendo um trabalho. De lá saíam os quitutes que costumavam servir de lanche noturno no lugar do jantar.
“Boa tarde senhora. Estou procurando um produto que até hoje só encontrei neste local. Acho que se chamava frade, fradinho ou algo assim”, descreveu para a concentrada atendente do caixa.
“No ay”, diz a outra sem dar nenhuma atenção.
“Talvez seja outro nome” insiste enquanto olha em volta em busca de algo que pareça a iguaria. “Quem sabe franciscos”.
“No ay. O que tenemos esta exposto”.
“Não estou vendo as migas”, contradiz a antiga cliente. “Lembro que sempre comprava migas de queijo e presunto, junto com as gostosurinhas que estou procurando. Eram daqui. Folheados...” tenta esclarecer.
“Migas ay, frades, fradinhos ou franciscos, no. Mil hojas son estes”, interrompe a caixa impaciente
enquanto aponta para a vitrine repleta de doces.
Olha para a variedade exposta. Vê os mil folhas com dulce de leche. “Não, não são redondinhos, nem tão doces, senão não comeria no lanche” diz, vasculhando a memória em busca da imagem do seu objeto de desejo. “São compridinhos”, explica mostrando duas falanges do fura bolo, as do meio, sem desistir. “Há quanto tempo você trabalha aqui?”
“Uns quatro anos”, responde a moça sem entender a razão da pergunta.
“Então pode não conhecer o que procuro. Era de mil folhas, tinha glacê e um nome religioso”, tenta novamente.
“A chica que recebe os pedidos é mais antiga”. A caixa, aliviada por se livrar do interrogatório, aponta para o meio do balcão, que a visitante percorre procurando algo parecido com seu objeto religioso.
“Ola, necesito ayuda. Busco algo de Ripan, pero no recuerdo su nombre”, tenta em español, recitando suas reminiscências novamente.
“O que buscas son los... jesuítas! Mil hojas, queso, jamón, com glacê arriba!” A encarregada das encomendas sorri, com ar de vencedora, por ter matado a charada.
“Jesuitas! É isso. Sabia que era um nome religioso. Jesuitas. Passei perto...”, exulta feliz.
“Pero no ay”. A informação é um balde de água fria e acaba com a comemoração.
“Não fabricam mais?” pergunta desapontada, tão perto e tão longe de satisfazer seu desejo...
“Por encomienda, de un dia para el otro”, explica.
“Isso não é problema. Quero meio cento, para amanhã de manhã!” bate o martelo sem nem perguntar o preço. Se despede com uma última pergunta: “Você me recomendaria um bom hotel na cidade?”

* Valéria del Cueto é jornalista, cineasta e gestora de carnaval. Esta crônica faz parte da série Fronteira Oeste do Sul, do SEM FIM HYPERLINK "http://delcueto.multiply.com" \t "_blank"http://delcueto.multiply.com

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