Ao voltar de um exaustivo dia de caça, trazendo segura nos dentes uma pequena corça, a onça encontrou sua toca vazia. Imaginando que os filhotes estivessem nas imediações, pôs-se a procurá-los com diligência. Olhou e examinou cada canto, sem encontrá-los. Preocupada com a demora que se tornava séria, desesperou-se e tomada de pânico esgoelou-se em urros que encheram de espanto toda a floresta.
Uma anta decidiu indagar a respeito da ocorrência. Chegando junto à toca viu a onça desatinada e então, jeitosamente, procurou saber dela o que estava acontecendo.
Devoraram-me os filhotes! - gemeu a onça. Infames esses caçadores que cometeram friamente o maior de todos os crimes: mataram os meus filhos.
A anta conciliadora, porém franca, não deixou que a oportunidade se passasse sem que ela dissesse à onça certas verdades que embora dolorosas, careciam ser ouvidas por ela naquele momento.
Então lhe falou:
- Mas senhora onça, se analisar bem o fato, há de convir que suas acusações não procedem. Perdoe-me a franqueza, nessa hora de desespero. Respeito a sua dor, mas devo dizer-lhe que os caçadores fizeram apenas uma vez aquilo que a senhora pratica todos os dias. Não pode negar que vive sempre a comer os filhotes dos outros, não é verdade?
Ainda agora mesmo acabou de abater um filhote de corsa.
Tomada de indignação, a onça arregalou os olhos como que espantada pela coragem e atrevimento da anta, falando com um ódio mortal:
- Oh, estúpida criatura! É isso que você tem a dizer para consolar o meu coração ferido pela dor? Com que direito você se atreve a comparar os meus filhos aos filhotes dos outros? E como pode comparar o meu sofrimento e desolação ao dos demais? É preciso considerar primeiro a minha posição, em relação à dos outros animais, para depois ponderar sobre a situação.
Foi nesse momento que um velho macaco, bem do alto do seu galho assistia ao diálogo, falou como quem está revestido de autoridade:
- Amiga onça, é sempre assim,
a dor alheia
só atinge aos sensíveis,
jamais ao egoísta.
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