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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Casamento e desejo É verdade que um acaba com o outro?



IVAN MARTINS
É editor-executivo de ÉPOCA

Cerimônias de casamento sempre me deixam um pouco melancólico. Em geral, esse sentimento se acerca na hora dos votos, quando os noivos, diante do padre e dos convidados, fazem a promessa solene e fatídica: amar e respeitar, por toda a vida. Antigamente se dizia “até que a morte nos separe”, mas a formulação foi trocada pela outra, menos mórbida.

Desde que me tornei adulto e tive experiência direta do casamento, passei a ter a impressão de que há uma omissão reveladora no voto matrimonial. Ele fala em “amar e respeitar”, mas não em “desejar”, embora o desejo seja um componente de enorme importância na vida dos casais. Alguém mais romântico dirá que o verbo desejar está implícito no verbo amar, mas eu não acho que seja tão simples.

A mim parece que o verbo desejar é omitido por não termos controle sobre ele. Respeitar é algo que podemos prometer. Depende da nossa vontade quase inteiramente. Amar, por outro lado, é tão abstrato, o verbo esconde tantas variedades de sentimentos, que algum deles, ou a soma deles, é certamente capaz de durar a vida inteira. Amor como carinho. Amor como amizade. Amor como admiração. Amor como dependência e necessidade do outro.

Quem não cabe nessa fórmula é o desejo.

Como se pode prometer desejar alguém para o resto da vida? Desejo é um impulso espontâneo que se manifesta de forma física. Como a raiva ou a repulsa ou o riso. Ele é básico, concreto. Nos homens não pode ser simulado. Ou se tem desejo ou não se tem. Não adianta fingir, embora se possa negar. Pode-se recusar o próprio desejo (aquilo que os religiosos chamariam de tentação) com base em convicções morais ou religiosas. Mas com base nessas mesmas convicções não se pode invocar o desejo. Ele só aparece quando quer, com quem quer.

Vem daí a minha melancolia com as cerimônias de casamento. Eu acredito sem hesitar que as pessoas vão se amar e se respeitar pelo resto da vida. Mas será que vão se desejar? Quanto tempo antes que aquele casal que não consegue tirar as mãos um do outro comece a se olhar com indiferença? Quantos anos antes que o sexo perca a graça e mergulhe em melancólica freqüência mensal ou quinzenal?

Confesso que sou pessimista quanto a isso. Toda vez que uma amiga se queixa que o fulano, seu namorado ou marido, “não é mais como era”, não sei muito bem o que dizer. É assim que acontece. E, ao contrário do que imaginam muitas mulheres, não tem a ver com falta de amor. O sujeito ama, mas não tem mais vontade de transar. Pelo menos não com a mesma frequência e a mesma intensidade. Dá pra entender?

É importante sublinhar a separação entre sexo e amor porque as mulheres enlouquecem com isso. Na cabeça delas sexo e amor (às vezes) formam um só pacote. Logo, se o sujeito já não exibe a mesma rigidez instantânea, só pode ser sinal de que deixou de amar.

Mas isso é loucura, uma vez que as próprias mulheres separam muito bem o seu afeto da sua vontade de fazer sexo. Outro dia eu ouvi a seguinte frase: “Eu não quero transar todo dia, mas quero que ele queira transar comigo todos os dias”. Por quê? Por que senão ela acha que “tem boi na linha”. Vaca, mais propriamente. Mas aí não dá, madame. O sujeito tem de ficar ali, mostrando serviço, para que a senhora não fique insegura? Já pro analista!

Descontadas as piadas, acho que nesse assunto se aplicam as escolhas, como em todos os demais. Quem quer emails apaixonados, olhares gulosos e sexo que vara a noite talvez não deva se casar. Nem morar junto. A vida matrimonial permite uma infinidade de coisas gostosas e importantes, ela dá um sentido especial à existência, mas ela, ao mesmo tempo, broxa uma boa parte dos casais. Pode acontecer com você, apesar do carinho mais imenso e dos votos solenes de casamento.

(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

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